O câncer de tireoide é um tipo raro de câncer, mas nas últimas décadas devido ao rastreio precoce de nódulos tiroidianos e a melhora nas técnicas diagnósticas através da realização do ultrassom de tireoide e punção, sua incidência vem aumentando progressivamente. Afeta predominantemente o sexo feminino numa proporção de 3 mulheres para 1 homem sendo a faixa etária de maior risco entre 30 e 60 anos.
Nódulos tiroidianos são muito frequentes na população, em estudos de autópsia a incidência pode chegar até a 70%, no entanto apenas 5 a 7% são nódulos malignos. Existem vários subtipos histológicos do câncer de tireoide, o mais prevalente é o carcinoma papilífero de tireoide, que corresponde a quase 80% dos casos, o 2º subtipo histológico mais prevalente é o folicular abrangendo 10 a 15% dos casos. Por sua vez, o carcinoma papilífero de tireoide apresenta muitos subtipos, sendo o mais comum o carcinoma papilífero clássico (70 a 80%), seguido da variante folicular.
O diagnóstico da variante folicular do carcinoma papilífero de tireoide aumentou sua incidência em quatro vezes nas últimas décadas, correspondendo a quase 20% de todos os cânceres de tireoide. A imensa maioria do carcinomas papilíferos variante folicular (FVPTC) são tumores encapsulados e que apresentam curso clínico muito semelhante às lesões benignas foliculares, inclusive citologicamente são difíceis de serem distinguidas dos adenomas foliculares. Os estudos demonstram que os FVPTCs encapsulados e sem sinais de invasão vascular na histologia raramente evoluem com metástases e apresentam baixíssimos riscos de recorrência (menos de 1% dos casos).
Tem sido uma tendência mundial por parte das principais sociedades inclusive da American Thyroid Association e da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia a recomendação de abordarmos o câncer de tireoide de acordo com seu comportamento biológico de agressividade e recorrência, ou seja, advoga-se adotar a conduta conforme uma classificação de risco. Portanto, cada vez mais, nós endocrinologistas, juntamente com os cirurgiões de cabeça e pescoço, temos ponderado e indicado a tiroidectomia parcial ao invés da total e diminuído a indicação do iodo radioativo pós-cirúrgico nos casos de carcinoma papilífero de tireoide variante folicular encapsulado, já que trata-se de um subtipo de baixo risco.
Para ratificar essa tendência, recentemente um painel de especialistas publicaram em abril de 2016 no Journal of the American Medical Association Oncology (JAMA Oncology) uma proposta de reclassificar esse subtipo como uma lesão não cancerígena. Especialistas de diversos países incluindo patologistas renomados, endocrinologistas e cirurgiões de cabeça e pescoço chegaram à conclusão de que pacientes com FVPTC encapsulado não deveriam ser classificados com câncer e propuseram o nome Neoplasia folicular não invasiva com características nucleares papilíferas, no inglês NIFTP, após um estudo retrospectivo de 109 casos de pacientes com FVPTC encapsulados seguidos por mais de 18 anos sendo mais da metade desse pacientes tratados com tireoidectomia parcial (lobectomia) e todos eles sem realização de iodo radioativo. Os autores do estudo afirmam que somado esses 109 pacientes outros 352 outros casos bem descritos na literatura apresentaram boa evolução clínica e baixo risco de recorrência (<0.5%). No entanto os autores reconhecem que novos estudos são importantes para confirmarem esses dados e expandir a discussão da reclassificação e assim possivelmente beneficiar muitos pacientes que deixariam de receber o diagnóstico de câncer. A Sociedade Americana de Câncer estima que mais de 65 mil novos casos de câncer seriam diagnosticados esse ano nos Estados Unidos e que desses, 10 a 15 mil poderiam ser reclassificados como NIFTP, ou seja, que deixariam de receber o diagnóstico de câncer, um número expressivo de pacientes poupados do estresse psicológico e de um tratamento mais agressivo para a doença.
A renomeação do carcinoma papilífero variante folicular não invasivo para NIFTP parece ser uma mudança apropriada e adequada. Ao remover a palavra câncer, o termo NIFPT reconhece o baixo potencial de malignidade e elimina o “fantasma” da palavra câncer da vida de muitos pacientes.
Outra notícia boa para muitos pacientes com câncer de tireoide foi a aprovação recente pela Anvisa do registro de um novo medicamento para o tratamento do câncer de tireoide diferenciado: o carcinoma papilífero e folicular. Trata-se da medicação Lenvima® (mesilato de lenvatinibe).
O Levima® é um inibidor do receptor da tirosina quinase recentemente aprovado para o câncer de tireoide localmente avançado, metastático ou refratário ao tratamento com radioiodo. Essa medicação também é indicada para o carcinoma renal avançado, geralmente associada a outras medicações. Levima® age bloqueando a cascada de multiplicação e sobrevivência celular por inibir a angiogênese. Sua apresentação é em cápsulas de 4 e 10mg, sendo a dose recomendada para o câncer de tireoide de 24mg uma vez ao dia.
Em um estudo randomizado duplo cego e multicêntrico envolvendo 392 pacientes com câncer de tireoide avançado e resistente ao uso de radioiodo, 63% dos pacientes do grupo Lenvima® apresentaram uma resposta parcial caracterizada por pelo menos 30% de redução tumoral versus 2% no grupo placebo. Uma resposta completa com desaparecimento total do tumor foi visto no estudo em 2% dos pacientes. Além disso, os pacientes usando Lenvima ® tiveram uma média de 18 meses de vida sem progressão da doença. No estudo, 51% do pacientes eram homens, com média de idade de 63 anos e 99% apresentavam metástases a distância, sendo 89% em pulmão, 52% em linfonodos e 39% metástase óssea, 66% apresentava carcinoma papilífero de tireoide e 34% carcinoma folicular. Os principais efeitos colaterais foram: hipertensão arterial, diarréia, artralgia/mialgia, perda de peso, fadiga, náusea, cefaléia, proteinúria e dor abdominal. Trata-se de mais uma opção terapêutica para o câncer de tireóide avançado.
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